Série

O lobo do homem

The Last of Us é um tapa na cara na sociedade moderna

HBO Max Brasil
 

The Last Of Us é uma série apocalíptica, baseada em um famosíssimo jogo de videogame, criado por Neil Druckmann, para a Playstation. Nesta, cuja primeira temporada foi finalizada mês passado, Joel Pedro Pascal precisa levar Ellie ( Bella Ramsey), uma jovem que é imune ao vírus que dizimou o mundo, a um laboratório, onde ela será analisada e servirá de voluntária, para a criação de uma vacina.

CONTÉM SPOILER

Joel perdeu sua filha, na primeira noite em que o vírus manifestou-se, mais de 20 anos antes. Tem um único parente vivo, seu irmão, e uma companheira, Tess, que morre logo no início da temporada. Ele afeiçoa-se a Ellie, que também é, aparentemente, órfã, e ambos vivem muitas emoções, em uma saga para chegarem a seu destino.

Como nas demais séries apocalípticas, das quais a mais famosa é The Walking Dead, que foi a matéria prima do primeiro artigo que escrevi, há três anos, o homem é o lobo do homem. O que isso significa? Como já dizia John Locke, o caráter predatório do ser humano, sobretudo em situações de adversidade, emerge, e isso legitima condutas inimagináveis, em tempos de paz.

Isso pôde ser visto em tempos de guerra. Em epidemias. Em catástrofes naturais. Momentos de extrema privação. E é enfatizado nesta série, como também o foi em TWD. Afinal, as pessoas se matam e digladiam por poder, comida, dinheiro, mercadorias. E isso só piora, ao longo dos séculos, à medida em que o foco da sociedade desloca-se, cada vez mais, para os bens materiais, em detrimento das virtudes.

Talvez eu seja aficionada neste tipo de série, justamente por causa desses fatores: é um verdadeiro estudo antropológico, assistir ao que é capaz o ser humano, em tempos difíceis. Sobretudo em uma época como a nossa, em que tempos fáceis criaram pessoas fracas, moral e fisicamente, sem qualquer preparo para lidarem com as adversidades, um apocalipse zumbi faria um estrago imenso, na humanidade. Poucos sobreviveriam, de fato.

Propósito

Série é exibida pelo canal de streaming HBO MAX
Série é exibida pelo canal de streaming HBO MAX |  Foto: Arte / Divulgação
 

Fama, fortuna, poder, imagem, nada disso importa, em momentos extremos. Habilidades de sobrevivência são mercadoria rara, hoje em dia, e é isso que Joel tem para oferecer, na série. Emocionalmente destruído, o personagem vai, paulatinamente, resgatando sua humanidade, por meio dos cuidados e do afeto por Ellie. Afinal, cuidar de outro ser humano é algo que, efetivamente, nos resgata do caos interno, nos dá um propósito, traz sentido para a nossa vida.

Ellie, por sua vez, vê em Joel alguém em quem pode confiar, um homem forte, corajoso e capaz de tudo, para protegê-la. Vai aprendendo as técnicas de defesa com ele. Treina tiro. Começa a desenvolver a capacidade de virar-se nesse mundo pós apocalíptico, sem medo. É muito bonito acompanhar o desenvolvimento da relação dos protagonistas, que nutrem verdadeiros sentimentos de pai e filha, ao final da temporada. Foram unidos pelas circunstâncias, e destas souberam extrair o melhor.

No mundo moderno ocidental, faltam-nos dificuldades e privações, com as quais lidar, a fim de que sejamos menos mimados, mais autossuficientes e corajosos, menos manipuláveis. Todo discurso ideológico não se sustentaria por cinco minutos, diante dos horrores de uma guerra. Na lei da selva, vence o mais forte, independentemente de cor, raça, credo, gênero ou posição política.

As discussões e as prioridades que vivenciamos, hoje, só nos são possíveis porque homens e mulheres honrados morreram, para que tivéssemos a liberdade da qual desfrutamos. Afinal, esta não nos é passada pela corrente sanguínea, como bem disse Ronald Reagan. É preciso ser vigilante, para que os privilégios que nos foram conquistados, pelas gerações anteriores, não se percam, porque nós menosprezamos a sua importância.

Tapa na cara!

Uma série apocalíptica é como um tapa na nossa cara, acerca do que estamos colocando, como foco central de nossas vidas. Porque quando tudo rui e nada mais resta, virtudes precisam aflorar, qualidades são necessárias, assim como as habilidades, as chamadas “skills”.

E aí? What are your skills? Se o apocalipse acontecesse amanhã, como você sobreviveria? Quem você teria ao seu lado? Ao que , além de comer, beber água e se manter vivo, você daria mais valor? Ajudaria seu próximo, ou tentaria aniquilá-lo? Essas são boas perguntas, em tempos de tanta fartura e futilidade, para nos fazermos, enquanto assistimos a The Last Of Us.

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça

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